A Alforjaria começou como um negócio muito tradicional: produzir, vender, lucrar. Exceto pelo fato de que nunca fomos exatamente tradicionais – ou lucrativos… (rindo de nervoso). Além da preocupação sempre constante com a procedência da matéria-prima, a durabilidade dos artigos e a correta destinação dos resíduos, a Alforjaria sempre foi um negócio subversivo:
1. Lembremos que as ciclovias só se espalhariam pela cidade cinco anos depois de iniciarmos nossas atividades. Usar a bicicleta como meio de transporte em uma cidade feita para carros é sinônimo de subversão, porque desafia a lógica carrocrata da mobilidade urbana convencional;
2. A indústria têxtil é não só uma das mais poluentes como é também uma das mais cruéis e injustas, com problemas dignos da Primeira Revolução Industrial. Valorizar o resgate do fazer manual, trabalhar de acordo com o tempo próprio do fazer manual e receber uma remuneração adequada a esse tempo é também algo muito subversivo.
A Alforjaria oferecia duas atividades que consideramos fundamentais para desenhar um novo tipo de sociedade: o Café-Conserto e o Mão na Roda. O Café-Conserto acontecia aos sábados e as pessoas eram convidadas a levar artigos têxteis que precisavam de manutenção. Nós ensinávamos os interessados a realizar pequenos reparos nos seus acessórios. O Mão na Roda não foi uma iniciativa nossa, nós apenas servíamos como “sub-sede”. O objetivo era oferecer uma bancada de ferramentas para que os ciclistas pudessem adquirir autonomia e realizar a manutenção de suas bicicletas.
Alforjaria é um neologismo criado a partir da palavra “alforje” e do sufixo “aria”, que designa uma noção fabril ou um ramo de atividade – padaria, confeitaria, etc. Alforje vem do árabe “al hurj” e é o mesmo radical que deu origem à palavra “alforria”. Gosto de pensar que a Alforjaria é uma fábrica de liberdade. No início, liberdade para os ciclistas pedalarem sem mochilas nas costas. Agora, liberdade que a independência financeira traz para as mulheres que aprendem a costurar.
Um alforje é uma bolsa com duas bolsas, pra deixar o peso equilibrado, ou uma bolsa com dois embornais, como diziam antigamente. Lampião usava alforjes, seu bando todo usava. Sem um alforje, nada se levava nem se carregava. Sem nada pra carregar, que história se pode contar? Sem história pra contar, ninguém é alguém. Sempre me perguntam: “e o que você leva no seu alforje?” – Levo tanta coisa: depende se faz frio ou calor, se é dia de chuva, de sol, de vento. No verão, uma muda de roupa. No inverno, um lenço mais quente. Levo comigo, invariavelmente, água e um tecido qualquer. Nunca se sabe onde vamos estar quando o sol estiver se pondo. De bicicleta, a gente sempre pode parar, estender o tecido e apreciar o pôr do sol com calma. Levo ferramentas, comida e dezenas de sonhos. Pra saber mais desse negócio, tem vídeos aqui: https://www.youtube.com/@alforjariaacessoriosparaci9363/videos e https://vimeo.com/alforjaria/videos.
1. Nossos clientes são pessoas que por qualquer razão, escolheram usar a bicicleta como meio de transporte; isso significa menos automóveis nas ruas, menos poluição no ar e cidades mais seguras não só para ciclistas, mas também para mulheres, crianças e pedestres. 2. Nossos alforjes são confeccionados com materiais de reuso da indústria, sejam restos de tecido, lonas descartadas ou catálogos antigos de tapeçarias, diminuindo a quantidade de lixo têxtil em aterros; 3. Queremos oferecer treinamento e capacitação gratuita para mulheres vitimadas pela violência doméstica e pessoas em situação de vulnerabilidade social; 4. É um negócio declaradamente anticapitalista. Nada de ecocapitalismo, capitalismo verde nem capitalismo sustentável: o futuro é feminista, antirracista e anticapitalista - ou não haverá futuro.
Priscila Moreno Santiago